segunda-feira, outubro 18, 2010

Resenha (3)



Peterson, Eugene H.; Maravilhosa Bíblia; São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

Eugene Peterson nos desafia a ler as escrituras segundo o que elas realmente são- a revelação de Deus. E vivê-las, à medida que lemos. Peterson nos alerta sobre o perigo de lemos a Bíblia em busca da satisfação das necessidades pessoais e apresenta a possibilidade de sermos enriquecidos a partir de uma leitura conduzida pelo Espírito. Maravilhosa Bíblia propõe o resgate da antiga tradição de ler a Bíblia com o Espírito, com meditação e oração. Para ler adequadamente é preciso vivê-las, vida e leitura recíprocas, incorporando a leitura à vida, a vida a leitura.
Desde o início Peterson se utiliza de sua metáfora preferida- João comendo um livro em apocalipse. Comer o livro, não apenas o ler. Para ele meditar é mastigar e engolir, usando dentes e a língua, o estomago e os intestinos. A Bíblia convida a esse tipo de leitura. Maneira reflexiva e lenta, um flerte com as palavras, em contraste com devorar informações. Cita Ezequiel, Jeremias e João como aqueles que comeram as Escrituras. Para Peterson não existe necessidade mais básica.
Assinala que Deus não encarrega o homem de formar sua espiritualidade pessoal. Crescemos conforme a palavra, revelada e inculcada em nós pelo Espírito. Aponta o risco de colocarmos nossa moral, nossa cultura, algum estado de êxtase, em suma, usar a soberania do ego como texto-base de nossa espiritualidade ao invés das escrituras. Em contraste com espiritualidades modernas egoístas e glamorosas; seguimos Jesus, pegamos o Livro, e o lemos. Texto por excelência que nos possibilita uma vida cristã boa e profunda.
Para ele, a linguagem forma, em vez de informar. Não ficamos sabendo mais, mas passamos a ser mais. A escritura não é Deus nos contando alguma coisa, mas se mostrando a nós. A ênfase está na Santíssima Trindade na revelação pessoal e relacional de Deus.
Trabalha ainda a comum despersonalização do texto, a abordagem da Bíblia com fins não formativos, intelectuais, práticos, devocionais. É possível ler a Bíblia de vários ângulos diferentes e com vários propósitos sem lidar com Deus tal como ele se revelou. Exorta que devemos ler a Bíblia como ela chega a nós, e não como nos achegamos a ela.
Formula seu conceito de Trindade Substituta – desejos santos, necessidades santas e sentimentos santos. Aprendemos desde cedo, argumenta, a escolher por conta própria o que é melhor para si, e a autoridade do texto bíblico passa a ser secundária.
A história bíblica nos convida a participar de algo maior que nossa necessidade; participar da vida de Deus. Valoriza o impacto da histórica bíblica acima da informação científica e teológica. A teologia espiritual não apresenta se usando do texto bíblico como um código moral ou doutrina, mas conta uma história e convida “venha viver assim”. A Bíblia toda é incansavelmente narrativa. A imaginação é uma exigência.
Afirma ainda a importância da exegese para a espiritualidade cristã. Longe de ser a busca pela dominação do texto, a considera submissão humilde a ele.
Enfatiza já em seu quinto capítulo o cultivo da compreensão e das práticas que nos tornam ouvintes receptivos à voz trinitária viva, e nos tornam melhores seguidores de Jesus na história que ele faz acontecer pela Palavra. Aqui a participação é uma exigência.
Em “Caveat Lector” Peterson aborda o como ler a Bíblia. Ele enfatiza que ao entregarmos a Bíblia a alguém devemos dizer “tome cuidado leitor!”. Não somos donos da Palavra de Deus para fazer o que quisermos dela.
No capítulo 7 “Orelhas que cavaste para mim”, Peterson propõe uma maneira de ler a Bíblia que desiste de tentar assumir o controle do texto. Expõe a lectio divina e seus quatro elementos: 1) lectio (lemos o texto) onde aponta que o principal órgão para receber a revelação de Deus é o ouvido, não os olhos; 2) meditatio (meditamos sobre o texto) é o aspecto de leitura espiritual que nos ensina a ler as Escrituras como um todo interligado; 3) oratio (oramos a partir do texto) é a resposta exigida na leitura; e 4) contemplatio (vivemos o texto) é viver o texto no mundo comum. A lectio divina é um meio de ler que se torna um meio de vida.
Dedica parte final de seu livro para falar sobre aqueles que traduziram o texto bíblico e o tornaram acessíveis a outras línguas. Aborda sua respeitada paráfrase das Escrituras- “The Message”, e convence o leitor que a tradução deve primar pelo sentido e não pelo literalismo. Defende fervorosamente que a Bíblia foi escrita para pessoas comuns.
O que falar sobre Peterson? Um de meus principais tutores espirituais, tenho lido boa parte de seus escritos e aprendido muito com ele. Certamente recomendo a leitura desse livro para todo cristão que deseja tirar a poeira de sua velha Bíblia e comê-la a fim de viver sua vida, a vida de Cristo que Deus Pai deseja formar em nós.
Seu capítulo “Orelhas que cavaste para mim” é um convite explícito a prática de se entregar as escrituras sem tomá-la como posse ou manipulá-la, mas deixá-la falar por si mesma aquilo que aprouve a Deus revelar sobre si e sobre nós. Peterson me incentivou a cultivar o hábito da lectio divina, principalmente, em uma época que a Bíblia pode se tornar friamente um objeto de estudo impessoal no seminário teológico.
Peterson despertou a necessidade de incorporar as histórias bíblicas a minha história, e me mostrou que a imaginação é uma benção para essa imersão. Não resta dúvida, quero fazer parte daqueles que comeram e comem as Escrituras.
Valorizando o sentido, como prioridade do Espírito Santo, tirou as Escrituras de uma elitização intelectual e a entregou ao mais simples cristão novamente, de onde, nunca deveria ter se omitido. Deus seja louvado pela sua Palavra, luz para nossos caminhos, lâmpada para nossos pés!

Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo

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