segunda-feira, outubro 18, 2010

Rubem Alves - O que é a religião?



Alves, Rubens; O que é Religião; Editora Abril Cultural/Brasiliense, São Paulo, 1984.

Rubem Alves define religião como “o esforço para pensar a realidade toda a partir da exigência que a vida faça sentido”. E articula a relação histórica entre ciência e religião no seu capitulo inicial. Passa então a analisar a religião a partir de vários referenciais teóricos que se seguem.
No capítulo “Os símbolos da ausência” faz menção dos animais e sua biologia pronta em contraste com o ser humano “inventor do mundo”. Ser de desejo e privação. Pela via psicanalítica aponta que o homem faz cultura a fim de criar os objetos de seu desejo, é a busca do ego para encontrar um mundo passível de amor. Onde a cultura fracassa brota o símbolo, a testemunha de coisas ausentes. Aqui surge a religião, teia de símbolos, desejos, horizontes, confissão de espera. A religião nasce com o poder do homem de dar nome as coisas, com os símbolos sagrados o homem protege seu mundo do caos e do medo. A religião transubstancia coisas inertes como a pedra e transforma em algo sagrado- o altar. Se ocupa da teia invisível das significações. Conclui com honestidade que “as entidades religiosas são entidades imaginárias”. Pois brotam da fantasia e imaginação. Coloca a imaginação como algo positivo, que contribui a vida no sentido de ordenar e carregar de sentido o mundo, trazendo força a vida.
Os símbolos depois de seu uso e desgaste se tornam coisas, são coisificados, deixam de ser hipóteses da imaginação e se tornam manifestação da realidade. Certos símbolos congregam os homens em torno de um projeto comum, esse é o caso das religiões. Expõe o poder do símbolo sagrado na idade média, onde o mundo invisível era mais real que o mundo visível.
Rubem Alves passa a descrever o desprezo dos empiristas/positivistas com o discurso religioso, tratando ele como nosense. Eles ignoram a religião como coisa. Contudo a partir de Durkheim se diz da religião que ela é um fato social, portanto, não pode ser ignorado ou aplicar-se a ela falsidade ou verdade. Coloca homem como responsável da nomeação do que é sagrado e do que é profano. E coloca o sagrado como ponto de referência para que não ocorra uma anomia, no sagrado se cumpre ordem, normas e harmonia para a vida social tornar-se possível. A essência da religião, portanto, não está em ser correta ou não, mas na força que dela decorre para o enfrentamento da vida. Durkheim assume a religião como um guia criativo para a humanidade.
Pela lente materialista de Karl Marx se enxerga uma religião que não faz diferença alguma. A religião é o sintoma e não a causa. Para Marx o que determina a consciência é a vida, e não o contrário. Portanto a religião é apenas um efeito do viver. O homem é o produtor de suas concepções. O homem que faz a religião. Discute-se então as condições de vida desse homem que cria sua religião e esperança. Marx se atém as questões de trabalho e aponta a alienação existente nesse processo. As palavras sagradas passam a ser invocadas por oprimido e opressor para ser cúmplice de sua realidade. Nisso se ora “É a vontade de Deus”. Aqui Marx afirma a religião como ópio do povo. Felicidade ilusória. Para tais ilusões desaparecerem, não se deve mudar as idéias religiosas, deve-se mudar as condições que geram tais idéias. A religião é fruto da alienação. É ópio, é arma.
Alves cita então a observação de Camus que “é possível ignorar que as pessoas encontram razões para viver e morrer em suas esperanças religiosas”, o discurso religioso possui algo além da pura ausência de sentido. Ele traz sentido. Se a religião está numa esfera de experiência subjetiva, indiferente a análise sociológica, questiona Rubem Alves, isto a torna menos real? É possível entende-la como sonho? Retoma aqui o tema do desejo e do dever social. Se os sonhos são a voz do desejo, a religião nasce aqui, como mensagem desse desejo. Para Freud, os desejos estão fadados ao fracasso, a intenção de sermos felizes não está inscrita no plano da Criação. O principio de realidade é mais forte. O homem encurralado cria mecanismos de consolo e fuga, onde encontra na fantasia o que a realidade lhe nega. A religião é um desses mecanismos. Freud aponta o fim da religião com o amadurecimento e o conhecimento cientifico. Observa Rubem Alves, porque Freud não deu a religião o mesmo valor que deu aos sonhos em termos analíticos? Feuerbach em contraste os coloca como confissões de projetos ocultos e subversivos, anúncios de utopias em que a realidade se harmonizara com o desejo, e então os homens serão felizes. A religião é então “...a confissão pública dos segredos de amor humano”. Consciência de Deus é autoconsciência. A religião revela nossa projeção de desejos. É um homem falando das profundezas do seu ser de forma que nem ele entende. Deus é, nesse sentido, a mais alta subjetividade do homem.

Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo

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