sábado, outubro 23, 2010
Ah, o vento!
O Vento
O vento varre as velhas ruas
da nossa linda capital,
o vento leva o barco ao longe
e arrasta as folhas no quintal,
pois ele sabe que é outono
e à tarde traz o seu sinal,
desenha um universo novo
nas nuvens brancas do varal.
O vento sobe uma colina
assobiando uma canção.
Ele atravessa uma avenida,
depois da antiga estação.
O vento desce uma ladeira,
abraça o velho casarão,
depois visita uma favela
e alegra um triste coração.
Quem sabe de onde vem o vento?
Quem sabe para onde vai?
Assim é todo o que é nascido
Do Eterno Espírito do Pai.
O vento corta as verdes ondas
do nosso belo e imenso mar,
espalha flores e aromas,
faz a floresta se agitar.
O vento traz um pensamento
ao escritor a meditar,
levanta o leve passarinho
no seu desejo de voar.
Gladir Cabral
http://www.gladircabral.com.br/
segunda-feira, outubro 18, 2010
O futuro de uma ilusão - Freud
Freud, Sigmund – O futuro de uma ilusão (1927). São Paulo. Imago, 1996.
Quanto menos um homem conhece a respeito de seu passado e do presente, mais inseguro mostra-se seu juízo sobre o futuro. Com essa sentença Freud inicia seu primeiro capítulo.
Freud define a civilização humana como tudo aquilo que se elevou acima da condição animal. Ele tem a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. Então afirma que toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e renuncia ao instinto. Isto se dá porque todos os homens trazem tendências destrutivas, anti-sociais e anti-culturais.
Só através da influência de indivíduos que passam a fornecer um exemplo e a quem reconheçam líderes, as massas podem ser induzidas a efetuar o trabalho e suportar as renuncias de que a existência depende. Freud aponta que o homem não ama espontaneamente o trabalho e que argumentos não superam as paixões, portanto, somente coercitivamente se tem a civilização.
Toda civilização repousa numa compulsão a trabalhar e numa renuncia ao instinto, provocando oposição dos atingidos por tal exigência. Frustração é o instinto não satisfeito, proibição é o regulamento que estabelece tal frustração, e privação é a condição produzida pela proibição. Há desejos como canibalismo, incesto e ânsia de matar. Instintos reprimidos ou legitimados pela sociedade a seu modo.
Surge o superego como a internalização da coerção externa. De opositor, o homem vira veículo da civilização. Freud aponta o ideal como fonte de satisfação na sociedade. A arte e filosofia são fonte de satisfação substitutiva. Reconcilia o homem com os sacrifícios que tem de fazer em beneficio da civilização.
Inicia seu terceiro capítulo com a pergunta “em que reside o valor peculiar das idéias religiosas?”. Então argumenta que a razão de ser da civilização é nos defender da natureza, das catástrofes e da morte. O homem transforma as forças da natureza em seus iguais, para suportar as catástrofes incontroláveis, pessoaliza a natureza. Transforma-as em deuses. Os deuses tem três missões a seu ver: 1) exorcizar a natureza; 2) compensar o homem pelo sofrimento e privação; 3) a moralidade, onde o homem elege suas próprias leis estendendo à natureza do universo. As idéias religiosas surgiram da mesma necessidade de que surgiram outras realizações da civilização, necessidade de defesa da força esmagadora da natureza. Freud foca então na questão do desamparo humano, visível já na infância, e perpetuado na idade adulta.
Freud credita a razão o fundamento da verificação de qualquer ordem. A religião não a utiliza, ela crê porque é absurdo. A religião vai dizer que os ensinamentos devem ser acreditados porque já eram pelos antepassados; que possuímos provas desses tempos primeiros; e que é proibido questionar a autenticidade. Freud então critica e aponta que a fonte da religião é o desejo, e sua produção é ilusão.
O trabalho cientifico é a única estrada que nos pode levar a um conhecimento da realidade externa a nós mesmos. Ele admite, contudo, a possibilidade de sua forma de pensar, também ser uma ilusão.
Freud reconhece que a retirada de Deus entregaria o homem a seus instintos não-sociais, ao caos, antes banido pelo trabalho. Não seria licito privar as pessoas da religião de onde obtém tanto consolo e não lhes dar nada melhor em troca. Admite que a ciência, nesse sentido, não basta ao homem.
Ele imagina uma reconciliação com a civilização a partir da compreensão do mandamento, não como algo que nos domina, mas que serve a nossos interesses.
Freud define então a religião como a neurose obsessiva universal da humanidade. Surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai. Portanto, com o processo de crescimento e amadurecimento, a religião tende a se afastar inevitavelmente.
Freud propõe uma educação não religiosa. Como tentativa de enriquecer a civilização. Esta teria o propósito de nos levar “um passo a frente”, é uma fuga do infantil para a “vida hostil”, ou uma “educação para a realidade”. Não há conforto, acabou a casa paterna, a vida bate a porta. Propõe o abandono de ilusões para construir uma existência tolerável na terra, e uma civilização não mais opressiva para ninguém.
Se tal intelecto for plantado, objetivará a mesma coisa que os crentes esperam de Deus – o amor do homem e a diminuição do sofrimento. Mas este sem compensação no processo. Para Freud nada a longo tempo resiste à razão e a experiência, logo a religião será posta de lado.
Freud encerra colocando o sucesso da ciência como prova máxima que esta não é uma ilusão.
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
O dossel sagrado - Peter Berg
BERGER, Peter. O dossel sagrado, Cap l. São Paulo: Paulinas, 1985.
Peter Berg compartilha da visão de Marx que o homem faz a sociedade, mas no seu pensamento se encontram reunidos também Durkheim e Weber.
Religião em Berg é o modo de conhecer o mundo e situar-se nele. É uma realidade produzida pelo homem. O mundo só é humano porque é significativo, mas significado produzido. A religião é o “intento audacioso de conceber o universo como humanamente significativo”. Ela cumpre uma tarefa alienadora porque oculta ao homem o fato que é ele que constrói o mundo. Berg ocupa-se então em trabalhar a relação entre religião humana e construção humana deste mundo.
O homem produz a sociedade e esta o produz. O autor trabalha essa relação com os seguintes conceitos: exteriorização que é a continua efusão do ser humano sobre o mundo; objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade; interiorização que é a re-apropriação dessa mesma realidade.
Aponta a diferencia entre o animal humano, dito inacabado, e o animal completo determinado por seus instintos. O mundo humano é aberto, deve ser modelado pela própria atividade do homem. O homem precisa construir um mundo para si, essa construção é a cultura, a totalidade dos produtos do homem. Essa construção do mundo se dá coletivamente. O homem é um ser social. O homem produz valores e verifica que se sente culpado quando os transgride. Cria instituições e estas o oprimem. Essa é a liberdade da objetividade.
O êxito da socialização depende do estabelecimento de uma simetria entre o mundo objetivo da sociedade e o mundo subjetivo do individuo. É impossível ser humano fora da sociedade. O individuo é socializado para ser uma determinada pessoa e habitar um determinado mundo. A socialização é continua no decorrer da existência do individuo.
A formação do individuo é dialética, ele não absolve passivamente o mundo social, mas se apropria ativamente por ele. E continua como co-produtor desde mesmo mundo social e de si mesmo.
O homem a quem é negado mecanismos ordenadores biológicos é obrigado a impor a sua própria ordem à experiência. O individuo dá sentido à sua biografia ao se apropriar do nomos (natureza das coisas) objetivo da sociedade, interiorizando-o.
Viver num mundo social é viver uma vida ordenada e significativa. A sociedade é guardiã da ordem e do sentido objetivo (instituição) e subjetivo (consciência individual). Por isso a separação do mundo social (anomia) é séria ameaça ao individuo. O nomos social é um escudo contra o terror. As situações marginais da existência humana revelam a inata precariedade de todos os mundos sociais. Neurose, psicose e morte.
O mundo social se esforça para ser óbvio. Negá-lo pode ser loucura ou negação do próprio ser.
Quando o nomos tem fontes mais poderosas que os esforços históricos do ser humano, se referem ao cosmos, aqui entra a religião em pauta. A religião é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmo sagrado. É a cosmificação feita de maneira sagrada. O sagrado é apreendido como algo que “salta para fora” das rotinas do dia a dia. O profano é o oposto; o comum. Secularização é conceber algo como puramente profano.
O sagrado tem origem em oposição ao caos, de onde emerge e continua a enfrentá-lo. O cosmo sagrado que inclui e exclui o homem fornece o escudo supremo do homem contra o terror da anomia. O cosmo sagrado é a apoteose da construção nômica. A religião constitui-se uma parte estratégica na construção do mundo humano; é o ponto máximo de auto-exteriorização pela infusão de seus próprios sentidos sobre a realidade. A religião é então, como já citado, a “ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo.”
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
Rubem Alves - O que é a religião?
Alves, Rubens; O que é Religião; Editora Abril Cultural/Brasiliense, São Paulo, 1984.
Rubem Alves define religião como “o esforço para pensar a realidade toda a partir da exigência que a vida faça sentido”. E articula a relação histórica entre ciência e religião no seu capitulo inicial. Passa então a analisar a religião a partir de vários referenciais teóricos que se seguem.
No capítulo “Os símbolos da ausência” faz menção dos animais e sua biologia pronta em contraste com o ser humano “inventor do mundo”. Ser de desejo e privação. Pela via psicanalítica aponta que o homem faz cultura a fim de criar os objetos de seu desejo, é a busca do ego para encontrar um mundo passível de amor. Onde a cultura fracassa brota o símbolo, a testemunha de coisas ausentes. Aqui surge a religião, teia de símbolos, desejos, horizontes, confissão de espera. A religião nasce com o poder do homem de dar nome as coisas, com os símbolos sagrados o homem protege seu mundo do caos e do medo. A religião transubstancia coisas inertes como a pedra e transforma em algo sagrado- o altar. Se ocupa da teia invisível das significações. Conclui com honestidade que “as entidades religiosas são entidades imaginárias”. Pois brotam da fantasia e imaginação. Coloca a imaginação como algo positivo, que contribui a vida no sentido de ordenar e carregar de sentido o mundo, trazendo força a vida.
Os símbolos depois de seu uso e desgaste se tornam coisas, são coisificados, deixam de ser hipóteses da imaginação e se tornam manifestação da realidade. Certos símbolos congregam os homens em torno de um projeto comum, esse é o caso das religiões. Expõe o poder do símbolo sagrado na idade média, onde o mundo invisível era mais real que o mundo visível.
Rubem Alves passa a descrever o desprezo dos empiristas/positivistas com o discurso religioso, tratando ele como nosense. Eles ignoram a religião como coisa. Contudo a partir de Durkheim se diz da religião que ela é um fato social, portanto, não pode ser ignorado ou aplicar-se a ela falsidade ou verdade. Coloca homem como responsável da nomeação do que é sagrado e do que é profano. E coloca o sagrado como ponto de referência para que não ocorra uma anomia, no sagrado se cumpre ordem, normas e harmonia para a vida social tornar-se possível. A essência da religião, portanto, não está em ser correta ou não, mas na força que dela decorre para o enfrentamento da vida. Durkheim assume a religião como um guia criativo para a humanidade.
Pela lente materialista de Karl Marx se enxerga uma religião que não faz diferença alguma. A religião é o sintoma e não a causa. Para Marx o que determina a consciência é a vida, e não o contrário. Portanto a religião é apenas um efeito do viver. O homem é o produtor de suas concepções. O homem que faz a religião. Discute-se então as condições de vida desse homem que cria sua religião e esperança. Marx se atém as questões de trabalho e aponta a alienação existente nesse processo. As palavras sagradas passam a ser invocadas por oprimido e opressor para ser cúmplice de sua realidade. Nisso se ora “É a vontade de Deus”. Aqui Marx afirma a religião como ópio do povo. Felicidade ilusória. Para tais ilusões desaparecerem, não se deve mudar as idéias religiosas, deve-se mudar as condições que geram tais idéias. A religião é fruto da alienação. É ópio, é arma.
Alves cita então a observação de Camus que “é possível ignorar que as pessoas encontram razões para viver e morrer em suas esperanças religiosas”, o discurso religioso possui algo além da pura ausência de sentido. Ele traz sentido. Se a religião está numa esfera de experiência subjetiva, indiferente a análise sociológica, questiona Rubem Alves, isto a torna menos real? É possível entende-la como sonho? Retoma aqui o tema do desejo e do dever social. Se os sonhos são a voz do desejo, a religião nasce aqui, como mensagem desse desejo. Para Freud, os desejos estão fadados ao fracasso, a intenção de sermos felizes não está inscrita no plano da Criação. O principio de realidade é mais forte. O homem encurralado cria mecanismos de consolo e fuga, onde encontra na fantasia o que a realidade lhe nega. A religião é um desses mecanismos. Freud aponta o fim da religião com o amadurecimento e o conhecimento cientifico. Observa Rubem Alves, porque Freud não deu a religião o mesmo valor que deu aos sonhos em termos analíticos? Feuerbach em contraste os coloca como confissões de projetos ocultos e subversivos, anúncios de utopias em que a realidade se harmonizara com o desejo, e então os homens serão felizes. A religião é então “...a confissão pública dos segredos de amor humano”. Consciência de Deus é autoconsciência. A religião revela nossa projeção de desejos. É um homem falando das profundezas do seu ser de forma que nem ele entende. Deus é, nesse sentido, a mais alta subjetividade do homem.
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
Resenha (4)
FROMM, Erich. O Dogma de Cristo e Outros Ensaios sobre Religião, Psicologia e Cultura. 2° ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1965
Erich Fromm em sua obra analisa a situação sócio-econômica dos grupos sociais que aceitaram e difundiram os ensinamentos cristãos, sobre essa base ele propõe uma interpretação psicanalítica. Delimita sua investigação a análise da evolução dos conceitos sobre a relação de Deus Pai com Jesus até a formulação do credo Niceno, no século lV.
Fromm procura deixar claro que as transformações dos conceitos religiosos estão intimamente ligadas à experiência das várias relações infantis possíveis com o pai ou a mãe. Estuda as pessoas a fim de entender o dogma das pessoas.
Ao trabalhar a função sócio-psicológica da religião diferencia impulsos do ego, mantenedores da vida, dos impulsos destruidores, libidinosos. Estes últimos não são imperativos, portanto, passíveis de sublimação. Coloca na sociedade a dupla função na situação psíquica do indivíduo, frustrá-lo e satisfazê-lo.
A mais velha fonte de satisfações fantasiosas coletivas para Fromm é a religião. Se colocando ao lado poesia, arte e filosofia. A religião tem uma tríplice função: 1) para toda humanidade, serve de consolo às privações impostas pela vida; 2) para grande maioria dos homens, é um estímulo à aceitação emocional de uma situação de classe; 3) e para minoria dominante é um alívio dos sentimentos de culpa provocados pelo sofrimento daqueles a quem oprimem.
Cita Freud quando este assinala que a impotência do homem frente a natureza é uma repetição da situação em que o adulto se viu quando criança, quando não podia passar sem ajuda dos pais. O sujeito transfere dos pais os medos e amores infantis, e também hostilidade, para uma figura da imaginação, para Deus. Nesta servidão infantil está uma das garantias da estabilidade social, visto ser Deus sempre aliado dos governantes.
Fromm passa a discorrer o contexto econômico, social, cultural e psíquico que dá origem a religião cristã. Define o perfil dos cristãos primitivos: os incultos, os pobres, o proletariado, os camponeses, que devido a opressão e desprezo social sentiam a necessidade de modificar as condições existentes. Nutriam a esperança que um pai bom os libertasse e a este amavam em fantasia. Ambivalentes odiavam o pai malvado, o governo, que o oprimia. Aqui aponta Fromm surge o cristianismo como movimento histórico significativo.
A fé cristã primitiva no homem sofredor que se tornou Deus tinha sua significação central no desejo implícito de derrubar o Deus pai ou seus representantes terrestres. A figura do Jesus sofredor originou-se primordialmente na necessidade de identificação das massas sofredoras e posteriormente pela necessidade de expiação do crime de agressão contra o pai.
Ao término do século ll, conquistando adeptos em todo o império romano, o cristianismo já havia deixado de ser a religião dos artesãos pobres e dos escravos. Com Constantino, tornou-se religião do estado, transformou-se na religião da classe dominante. O mundo histórico, real, já não necessitava transformação. A salvação se tornara interior, espiritual, não histórica, uma questão individual assegurada pela fé em Jesus. Passou então de religião dos oprimidos a religião dos governantes e das massas por eles oprimidas, da expectativa do dia do juízo e de uma nova era para a fé na redenção já consumada, de uma vida pura e moral para a satisfação da consciência através dos meios eclesiásticos de graça, da hostilidade ao estado para um acordo cordial com ele.
Com a mudança social e econômica o dogma evoluiu, Deus que virou homem, não o oposto. O pai, o governo, não precisa mais ser derrubado. A satisfação vem do perdão e amor. Jesus torna-se finalmente Deus sem derrubar Deus, porque sempre foi Deus. Fromm aponta que a doutrina hoomousiana de que dois é igual a um remete a uma situação real que faz sentido: a criança no ventre da mãe.
O conceito de Deus Pai também se modifica. O pai forte e poderoso tornou-se a mãe agasalhadora e protetora. Surge a figura divina da Grande Mãe, figura dominante do cristianismo medieval.
Fica claro para Fromm que tanto a fantasia do Jesus sofredor, quanto a do menino Jesus no seio da mãe são expressão do desejo de perdão e expiação. Essas fantasias também significam que os homens tinham de regredir a uma atitude passiva, infantil, o que impedia a revolta ativa. Sinônimo de dependência dos governantes para subsistência e a percepção da fome como prova dos pecados.
A partir do dogma de Nicéia os apologistas procuraram apresentar o cristianismo como a mais alta filosofia. A fé se transformava em doutrina. Exigia-se fé na fé, fé na religião. Isso preparou caminho para o édito de Constantino.
Encerra seu ensaio configurando o catolicismo como volta disfarçada à religião da Grande Mãe e colocando o protestantismo como religião que se voltou para o Deus Pai em uma época social que permitiu uma atitude ativa da parte das massas, em contraste com a passividade infantil da idade média.
No seu prefácio, Erich Fromm afirma que quando escreveu essa obra (1930) era rigorosamente freudiano e que certamente faria muitas revisões no seu texto, mas que não estava dentro de suas forças tal trabalho e concorda em publicar mesmo assim sua versão em inglês (1963). Concordo com ele quando afirma que muito se publicou após sua obra, o que deveria ser levado em conta numa possível revisão. Ainda assim seu texto, mesmo desatualizado, continua relevante para o estudante da religião, sociologia e psicologia. Tem sua razão de ser. Leitura indispensável, excelente contribuição para compreensão do desenvolvimento social-psicológico da fé cristã, divisora de nosso calendário.
Acrescento que enriqueceria seus argumentos se desse mais espaço em sua análise a principal produção dos cristãos: a Bíblia sagrada, ou como os cristãos percebem e contam suas histórias e doutrinas. Melhor ainda, como contam a história de seu Messias. Este, somente analisado como idéia e conceito em evolução, não como possível personalidade histórica intrigante em seus discursos.
Embora mostre maestria nas suas interpretações, enxergar toda a realidade a partir do viés psicanalítico gera desconforto no leitor pouco habituado, podendo ficar a impressão de reducionismo, curiosamente, comum aos que professam alguma fé.
Por fim, o livro me fez lembrar o poeta amigo, Renato Brito “É tudo invenção, sem mentira nenhuma...”. Ao que Freud supostamente não perderia tempo, “é ilusão...”; eu me contento com a possibilidade de.
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
Resenha (3)
Peterson, Eugene H.; Maravilhosa Bíblia; São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
Eugene Peterson nos desafia a ler as escrituras segundo o que elas realmente são- a revelação de Deus. E vivê-las, à medida que lemos. Peterson nos alerta sobre o perigo de lemos a Bíblia em busca da satisfação das necessidades pessoais e apresenta a possibilidade de sermos enriquecidos a partir de uma leitura conduzida pelo Espírito. Maravilhosa Bíblia propõe o resgate da antiga tradição de ler a Bíblia com o Espírito, com meditação e oração. Para ler adequadamente é preciso vivê-las, vida e leitura recíprocas, incorporando a leitura à vida, a vida a leitura.
Desde o início Peterson se utiliza de sua metáfora preferida- João comendo um livro em apocalipse. Comer o livro, não apenas o ler. Para ele meditar é mastigar e engolir, usando dentes e a língua, o estomago e os intestinos. A Bíblia convida a esse tipo de leitura. Maneira reflexiva e lenta, um flerte com as palavras, em contraste com devorar informações. Cita Ezequiel, Jeremias e João como aqueles que comeram as Escrituras. Para Peterson não existe necessidade mais básica.
Assinala que Deus não encarrega o homem de formar sua espiritualidade pessoal. Crescemos conforme a palavra, revelada e inculcada em nós pelo Espírito. Aponta o risco de colocarmos nossa moral, nossa cultura, algum estado de êxtase, em suma, usar a soberania do ego como texto-base de nossa espiritualidade ao invés das escrituras. Em contraste com espiritualidades modernas egoístas e glamorosas; seguimos Jesus, pegamos o Livro, e o lemos. Texto por excelência que nos possibilita uma vida cristã boa e profunda.
Para ele, a linguagem forma, em vez de informar. Não ficamos sabendo mais, mas passamos a ser mais. A escritura não é Deus nos contando alguma coisa, mas se mostrando a nós. A ênfase está na Santíssima Trindade na revelação pessoal e relacional de Deus.
Trabalha ainda a comum despersonalização do texto, a abordagem da Bíblia com fins não formativos, intelectuais, práticos, devocionais. É possível ler a Bíblia de vários ângulos diferentes e com vários propósitos sem lidar com Deus tal como ele se revelou. Exorta que devemos ler a Bíblia como ela chega a nós, e não como nos achegamos a ela.
Formula seu conceito de Trindade Substituta – desejos santos, necessidades santas e sentimentos santos. Aprendemos desde cedo, argumenta, a escolher por conta própria o que é melhor para si, e a autoridade do texto bíblico passa a ser secundária.
A história bíblica nos convida a participar de algo maior que nossa necessidade; participar da vida de Deus. Valoriza o impacto da histórica bíblica acima da informação científica e teológica. A teologia espiritual não apresenta se usando do texto bíblico como um código moral ou doutrina, mas conta uma história e convida “venha viver assim”. A Bíblia toda é incansavelmente narrativa. A imaginação é uma exigência.
Afirma ainda a importância da exegese para a espiritualidade cristã. Longe de ser a busca pela dominação do texto, a considera submissão humilde a ele.
Enfatiza já em seu quinto capítulo o cultivo da compreensão e das práticas que nos tornam ouvintes receptivos à voz trinitária viva, e nos tornam melhores seguidores de Jesus na história que ele faz acontecer pela Palavra. Aqui a participação é uma exigência.
Em “Caveat Lector” Peterson aborda o como ler a Bíblia. Ele enfatiza que ao entregarmos a Bíblia a alguém devemos dizer “tome cuidado leitor!”. Não somos donos da Palavra de Deus para fazer o que quisermos dela.
No capítulo 7 “Orelhas que cavaste para mim”, Peterson propõe uma maneira de ler a Bíblia que desiste de tentar assumir o controle do texto. Expõe a lectio divina e seus quatro elementos: 1) lectio (lemos o texto) onde aponta que o principal órgão para receber a revelação de Deus é o ouvido, não os olhos; 2) meditatio (meditamos sobre o texto) é o aspecto de leitura espiritual que nos ensina a ler as Escrituras como um todo interligado; 3) oratio (oramos a partir do texto) é a resposta exigida na leitura; e 4) contemplatio (vivemos o texto) é viver o texto no mundo comum. A lectio divina é um meio de ler que se torna um meio de vida.
Dedica parte final de seu livro para falar sobre aqueles que traduziram o texto bíblico e o tornaram acessíveis a outras línguas. Aborda sua respeitada paráfrase das Escrituras- “The Message”, e convence o leitor que a tradução deve primar pelo sentido e não pelo literalismo. Defende fervorosamente que a Bíblia foi escrita para pessoas comuns.
O que falar sobre Peterson? Um de meus principais tutores espirituais, tenho lido boa parte de seus escritos e aprendido muito com ele. Certamente recomendo a leitura desse livro para todo cristão que deseja tirar a poeira de sua velha Bíblia e comê-la a fim de viver sua vida, a vida de Cristo que Deus Pai deseja formar em nós.
Seu capítulo “Orelhas que cavaste para mim” é um convite explícito a prática de se entregar as escrituras sem tomá-la como posse ou manipulá-la, mas deixá-la falar por si mesma aquilo que aprouve a Deus revelar sobre si e sobre nós. Peterson me incentivou a cultivar o hábito da lectio divina, principalmente, em uma época que a Bíblia pode se tornar friamente um objeto de estudo impessoal no seminário teológico.
Peterson despertou a necessidade de incorporar as histórias bíblicas a minha história, e me mostrou que a imaginação é uma benção para essa imersão. Não resta dúvida, quero fazer parte daqueles que comeram e comem as Escrituras.
Valorizando o sentido, como prioridade do Espírito Santo, tirou as Escrituras de uma elitização intelectual e a entregou ao mais simples cristão novamente, de onde, nunca deveria ter se omitido. Deus seja louvado pela sua Palavra, luz para nossos caminhos, lâmpada para nossos pés!
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
Resenha (2)
Resenha crítica do livro “Irmãos, não somos profissionais” – John Piper
John Piper objetiva com seu livro- Irmãos, não somos profissionais- difundir uma paixão pastoral radical pela supremacia e centralidade do Deus-homem crucificado e ressurreto, Jesus Cristo, isto, em cada esfera da vida, ministério e cultura. O intuito do titulo do livro visa libertar ministros do evangelho da pressão que sofrem para se amoldarem às expectativas culturais do profissionalismo. O livro faz soar o alarme contra o orgulho do status, a expectativa de paridade salarial e o empréstimo de paradigmas do universo profissional.
John Piper fala a favor de um cristianismo não normal e não seguro, mas insensato e perigoso, apontando para a realidade vergonhosa do calvário fortalece seu pensamento- esse é o centro da vida pastoral. Para ele quanto mais ministros se aproximam do que torna o cristianismo repulsivo, mais próximos se encontram do que o torna glorioso. Sem sangue, não há graça, não há glória.
Denuncia em todo tempo o contraste entre profissionalismo e pastoreio. Profissionais são honrados, respeitados, sensatos, fortes; os ministros do evangelho não têm respeito, são fracos, passam fome, nudez e falta de moradia; tem como primeira atividade ansiar por Deus em oração, chorar pelos pecados. Provoca então o autor “Por acaso existe choro profissional? Como é possível carregar uma cruz de modo profissional? O que seria, então, a fé profissional? Como é possível se embriagar com Jesus profissionalmente? Existe um modo de ser um vaso de barro profissional?”. Para em seguida, apaixonado, exclamar: __Irmãos, nós não somos profissionais!
Partindo desses pressupostos o autor se mostra favorável aos pastores que amam as escrituras, que estão centrados em Deus, quem amam a Cristo, que se auto-sacrificam, que são mobilizados por missões, que buscam ganhar almas e confrontam a cultura vigente.
Desenvolve em seu livro, a cada capítulo, um tema e exortação dirigidos aqueles que se propõem a exercerem o ofício pastoral. Trabalha entre outros temas: o amor de Deus e sua glória; o correto serviço cristão; a justificação pela fé; o hedonismo cristão- com ênfase no dever do crente de se deleitar em Deus; a oração; a importância da leitura de biografias cristãs- citando largamente Jonathan Edwards como fonte de inspiração em seu ministério; argumenta ainda a favor da necessidade de ministros darem fim ao acúmulo de bens e viverem uma vida simples; convoca pastores a ministrarem na calamidade; a adorarem na essência e não na forma; a pregarem contra aborto e racismo; a fazerem missões levando em conta que só é possível três opções: ir, enviar ou desobedecer. É imperativo. E dessa forma peculiarmente radical e apaixonada o autor conclama a seus colegas pastores a abraçarem seu chamado de forma radical, difundindo a alegria não da excelência profissional, mas dos prazeres da comunhão espiritual com o Cristo crucificado e ressurreto.
Recomendo a leitura do livro e o considero oportuno para o momento histórico da Igreja Cristã e seus ditos líderes, que se amoldando aos paradigmas empresariais buscam sucesso, reconhecimento, status, poder, dinheiro, profissão e suas categorias de competência e desenvolvimento pessoal; torna-se, em tal época, titulo de leitura imprescindível para todos que se ocupam com seriedade do rebanho de Deus. O livro caminha na contramão da realidade empresarial e profissional tão cultuado nos dias atuais. Após sua leitura ficou claro o lugar para o qual fui chamado- o golgota, com suas implicações de uma vida de sacrifício e dificuldades em contraste com o sonho profissional e busca por uma vida harmônica livre de desassossegos. A leitura do livro ainda me alertou para uma série de acomodações culturais nas quais no dia a dia me via inserido, como a tolerância excessiva que se priva da pregação do evangelho sobre pretexto de incomodar o vizinho. Alentou meu coração com a esperança de um evangelho vivo, confrontador do homem e seu pecado; que traz respostas às calamidades externas e internas da humanidade. Ampliou meu anseio por vida simples. Ratificou fundamentos importantes como a paixão por almas, pela oração, pelo chamado, pela fraqueza da cruz, me fortalecendo para esse período de seminário por vezes tão árido, me alertando para a realidade que um dia, constrangido em amor, disse sim. Como dizer não?
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
Resenha (1)
GABEL, John B; WHEELER, Charles B; A Bíblia como literatura, Loyola, São Paulo, 1993.
O livro “A bíblia como literatura” de dois professores de literatura inglesa da universidade norte-americana de Ohio, John B. Gabel e Charles B. Wheeler tem sua primeira edição brasileira publicada no ano 1993. Traz como proposta ser uma introdução geral sistemática ao estudo da Bíblia como literatura. Não é um comentário bíblico, não defende o valor da Bíblia, não supõe ponto de vista interpretativo. Embora não negue valores morais e religiosos, não os coloca como objeto de análise. Basta aos propósitos dos autores a análise da Bíblia como fascinante documento humano. A Bíblia, para eles, é humana, embora, reconhecem, possa ser mais. Ao ler o livro o leitor compreenderá como a bíblia veio a existir, a razão pela qual tomou a forma que tem e que ocorreu com ela ao longo dos séculos.
No primeiro capítulo descrevem a Bíblia como um livro como qualquer outro, produto da mente humana, escrito por pessoas reais em épocas históricas concretas. Em Atos, exemplificam, Lucas ao narrar um evento- seleciona, dá ênfase, escolhe palavras e as organiza segundo seu propósito. Vêem a bíblia como uma antologia de 1000 anos, tendo conteúdo religioso e nacionalista. Entre os problemas literários do texto apontam contradições, duplicações, omissões, interpolações. Estes em parte resolvidos e explicados pela múltipla autoria; complicados pela idéia religiosa de autoria única divina. Revelam uma Bíblia composta, compilada e moldada, que recebeu acréscimos, foi editada, copiada, traduzida, interpretada. Todos esses processos merecem atenção, e deles procuram se ocupar no livro.
Abordam as formas e estratégias literárias na Bíblia. Os autores classificam entre os tipos literários encontrados- a hipérbole, a metáfora, o simbolismo, a alegoria, a personificação, o jogo de palavras, a poesia (quiasmo e paralelismo).
Sobre Bíblia e história, advertem que não é próprio ler a Bíblia como um livro de história, que ela não é longa o bastante para cobrir uma história de dois mil anos, que dezenas a centenas de anos são pulados em uma única frase ou simplesmente desprezados. Argumentam sobre o alto grau de seletividade que contava o passado se moldando as necessidades da audiência presente. Gaber e Wheeler entendem que os escritores não queriam fazer história de forma objetiva, mas atender as necessidades do público de sua época. Apesar disso atribuem algum valor histórico a Bíblia, por ser ela uma fonte única de tanta coisa que está nela contida.
Os autores trazem um capítulo dedicado a descrever o ambiente físico da Bíblia, onde é trabalhado o espaço onde os escritores bíblicos viveram- o clima, a geografia e a sociedade.
Ao abordarem a formação do cânon denunciam como errada a compreensão que a Bíblia é um documento único, completo e integral, não modificado e imutável, que transcende as condições da vida na terra. Para os autores Deus pode ter inspirado, mas homens escreveram. Definem canonização como um processo que envolve longo tempo e consenso, onde os fiéis determinam e criam os textos que querem ter. Questionam a imutabilidade do cânon bíblico, os argumentos que definem o que é inspirado e o que não é inspirado e afirmam que todos os grupos religiosos trazem um cânon dentro do cânon.
Sobre a composição do Pentateuco o percebem como produto de escritores e editores anônimos. Trabalham a critica das fontes que inclui: a autoria, as fontes, a redação, a transmissão textual, as formas literárias e a intenção.
Trabalham o surgimento dos profetas e seus textos, enxergam muitos deles como compilações de oráculos sem organização lógica e coerência. Levantam a questão- seriam os profetas, poetas? Ao apontar como fato a grande parte da profecia bíblica em gênero ser poesia. Questionam a “tipologia” cristã, que enxerga o dito lá nos profetas como aplicado a Jesus. Levantam o problema- como escritos proféticos totalmente enquadrados na história do Séc. VIII ou VI puderam ser liberados da história e levados a se referir à grande história do Novo testamento? O que se deve pensar dessa espécie de interpretação da profecia que ignora as reais circunstâncias históricas a que ela se aplica? Defendem então que todo leitor sério deve usar da referência histórica, e embora ela não esgote o significado da profecia bíblica, é inegável trazer dela o fundamento para todas as demais significações genuínas.
Sobre a literatura sapiencial bíblica, apontam sábios anônimos como seus escritores, e creditam a esses escritos distinção teológica de outros autores bíblicos. Sobre esses livros pontuam: 1) não fazem menção de culto e religião; 2) não parecem ter espírito nacionalista; 3) os escritores não estavam voltados para seu passado; 4) embora acreditassem em Deus e na criação de um universo ordenado, não eram entusiastas da religião e não tinham uma concepção de relacionamento pessoal entre Deus e os homens.
Atribuem ao autor do livro de Daniel a inauguração do gênero apocalíptico. Discursam sobre as propriedades desse gênero. Gaber e Wheeler entendem como convenção literária da época, e não desonestidade, o fato de tantos livros bíblicos antigos, levarem nomes de autores que jamais poderiam tê-los escrito. Entre os exemplos, citam Daniel.
Separam um capítulo para descrever o contexto político, cultural, econômico e religioso entre os dois testamentos. E um capítulo para abordar os livros apócrifos e os pseudepígrafos, onde é retomada a discussão sobre canonicidade, inspiração e autoria.
Ao discursarem sobre o Novo testamento atribuem a Marcos o crédito de primeiro evangelho escrito e fonte comum aos outros, tanto de gênero quanto de dados. Marcos, assim como Lucas, Mateus e João trazem sua concepção pessoal de Jesus. Com que precisão, perguntam os autores, essas narrativas representam o comportamento real de Jesus? Certamente, afirmam, não podemos ter tal resposta além do documentado pela concepção desses autores. Pensam a relação dos evangelhos com o Antigo Testamento como bastante complicada, porque estes o afirmam e negam, o usam e substituem. Apontam essa ambivalência dos cristãos com o Antigo testamento como visível até os nossos dias.
Pela abordagem histórica de Lucas em Atos, entendem que para os historiadores antigos a necessidade de instruir e edificar tinha ao menos tanta importância quanto à de informar. Citam possíveis conflitos entre as cartas de Paulo e a narrativa de Atos.
Dedicam curtos espaços as cartas gerais e as consideradas por eles anônimas, e mostram elevada apreciação no conteúdo e na análise das cartas paulinas, apontando-as como uma das maiores fontes de gratificação do estudo literário da bíblia. Acreditam os escritos paulinos radicalmente originais e profundos. Enxergam arbitrariedade de Paulo ao buscar textos na septuaginta para comprovar suas argumentações teológicas cristãs.
Dedicam um capítulo a descrever o desenvolvimento das traduções bíblicas, a evolução desse processo e os desafios recorrentes a essa tarefa.
Ao analisarem a interpretação religiosa da bíblia destacam os principais pontos que a religião extraiu do texto bíblico- história sagrada, doutrinas teológicas, preceitos morais, estrutura e pratica eclesiástica, idéias sobre o fim dos tempos e orientação pessoal. Ressaltam as diferentes formas de interpretação utilizadas pelos cristãos ao longo dos anos, desde a não-literal ou alegórica até a chamada crítica alta que há apenas dois séculos iniciou o estudo histórico-literário. Como a bíblia não é auto-evidente, afirmam os autores, esta favorece a seleção de material e interpretação de cada corpo religioso.
Por fim o livro apresenta apêndices com detalhes sobre a escrita nos tempos bíblicos, as traduções da bíblia no Brasil e a literatura sobre o estudo da bíblia no Brasil.
A bíblia como literatura se mostrou uma leitura extremamente agradável, provocativa e desmistificadora. Certamente recomendo o livro, sobretudo para o público religioso acostumado a uma abordagem dogmática e mística da Bíblia. Vejo seriedade e preocupação dos autores ao abordarem o texto bíblico e suas dificuldades, em contraste com a religião, comumente abordando as escrituras de forma superficial, símplice e descompromissada com a realidade. O livro amplia a compreensão do texto bíblico, de seu contexto, de sua origem, de quais perguntas devemos fazer ao buscar interpretar o que lemos. O livro atende bem aquilo que se propõe- ser introdução ao estudo literário bíblico. Para um aprofundamento no tema é preciso buscar outras fontes mais densas. A leitura mostra sutilmente um recorte de vários teóricos e eruditos da abordagem literária bíblica, compilados e organizados. Nesse sentido, é um bom recurso de pesquisa imediata, e me parece ser essa a proposta didática dos autores.
Observo como ponto negativo, que em alguns momentos os autores levantam problemas que não tem intenção de resolver ou propor possibilidades, e em outros aceitam resoluções rápidas e convenientes às suas intenções, o que pode trazer irritação ao leitor e no mínimo deixa uma lacuna. O fato de o livro trazer no fim de cada capítulo referências bibliográficas para posterior pesquisa, não elimina as dificuldades do leitor com as constantes polêmicas que surgem na leitura. Nesse sentido, se encontram muitas afirmações controversas no meio erudito e aquela que os autores tomam, só é perceptível ao já conhecedor do tema, o que contraria a proposta introdutória do livro. Os autores em muitos momentos revelam com veemência sua critica pessoal contra as tradições religiosas, criticam, por exemplo, a cultuada tradução inglesa King James inúmeras vezes. Fato, que para o leitor em contexto brasileiro, tem pouca ou nenhuma importância. Essa implicância particular dos autores em alguns momentos acaba por aumentar desnecessariamente a suspeita do leitor em outras argumentações do livro.
Concluo exaltando a ênfase na origem humana da Bíblia, dado que para mim torna o livro imprescindível para aqueles que levam o texto bíblico a sério em todas as suas esferas e buscam nele sua inspiração, seja mística, seja literária. Deus inspirou, o homem escreveu.
Ricardo F. Silva
Livre, preso, pleno, em Cristo
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